sábado, 6 de setembro de 2008

Benfica-Porto

Fui ontem com a Marta, a Daniela e o Tcherno ver a transmissão directa do Benfica-Porto, extraordinaríssimo programa de fim de tarde de sábado. Fomos guiados pelo Tcherno até à Estrada Grande – que ao nome corresponde na dimensão das árvore s que bilateralmente a definem – e parámos numa casa argilosamente igual às outras, com excepção da parabólica instalada na fachada principal, chocante marco do vigésimo século numa terra que vive na Pré-História (mas com telemóveis), apontado para um satélite de cuja existência a realidade local até a mim faz duvidar. Ainda não sabia deste ramo de negócio em Bolama, mas parece que o dono da casa faz vida das sessões de televisão, que são pagas pelos espectadores a 100 fcfa (cerca de 15 cêntimos). Na óptica da transversalidade da natureza humana, ainda antes do jogo, tivemos que assistir a uma manifestação das mulheres locais, em fúria por haver futebol em vez da habitual telenovela, e que por irem todos os dias deviam ter mais direitos do que os homens sobre a televisão. Dispersada a concentração feminina, cerca de 5 minutos antes do jogo, ligou-se o gerador, e as pessoas começaram a entrar na sala: tudo escuro, bancos corridos de um lado e de outro com um corredor perpendicular a meio, uma televisão num altar lá à frente, uma coluna hi-fi no coro, e a águia Vitória a sobrevoar as bancadas dessa longínqua Catedral, levando as cerca de 70 pessoas presentes ao delírio. A impressão inicial foi de todo inesperada, mas disso já falo. A actividade durante o jogo foi igual à de qualquer reunião de pessoas para ver futebol, exceptuando tudo o resto. A meio da primeira parte, irritado como nós pelo penalty não marcado a favor do Benfica, um fulano de barba grisalha apertou o fiscal de linha pelo pescoço, o que deixou a multidão local sem ar de tanto rir:

– “Agora posso dizer que vi UM branco doido!” – gargalhou o Tcherno sem acreditar.

As pessoas formaram nova fila para sair da sala ao intervalo, e o dono do espaço posicionou-se à saída para entregar um papelinho branco que garantia a reentrada a cada um dos presentes. Chegada a minha vez, abri a mão, ele recolheu o braço, ao que eu perguntei:

- Eu não preciso de papelinho?
- Não, eu lembro-me!

Rimos até mais não, sem serem precisas mais explicações – para quê? Enfim, todo o acontecimento roçou o surreal, e por isso mesmo foi sensacional (isso se não contarmos com o desempenho e o resultado). Mas agora recordo o que senti assim que aquela televisão se ligou, verdadeira porta aberta para outra dimensão. E por ter sido uma experiência mais ou menos normal no passado recente (o de Lisboa), não fiz qualquer preparação para ver o jogo, era só um jogo do Benfica, no bem conhecido Estádio da Luz, tinha mais que ver estar a meditar sobre tão desinteressante assunto. Só não contei com o facto de já aqui estar há 2 meses, e não fazia ideia do que isso já tinha mudado em mim – ao ver aquela colossal construção e as bancadas cobertas de quase sessenta mil pessoas, vestidas, calçadas, cheias de clubísticos apetrechos, iluminadas pela imensa luz eléctrica, a relva verde e uniformemente aparada no campo, os polícias fardados, de escudos, capacetes e viseiras, o fumo, as bandeiras e o fogo coloridos, não pude acreditar: “aquilo não existe neste planeta, não pode ser, tem que ser noutro sítio qualquer”. Não me perdia da ideia de um povo distante da Guerra das Estrelas reunido numa cerimónia planetária para decidir o futuro da galáxia. Foi avassalador, e fez-me sentir no imediato a razão de o Benfica ser aqui visto como uma entidade semi-divina. Sim, havia 4 adeptos do Porto na sala, mas não é de clubismo que estou falando: o Estádio da Luz, visto do meio do mato bolamense à luz eléctrica de um pequeno gerador a diesel, local perdido de uma perdida ilha do segundo país mais pobre do mundo, não parece real. Eu que lá estive tantas vezes, não consigo acreditar. Não existe.

1 comentário:

Henrique Moniz disse...

Grande Luis, vamos ser campeões este ano!!!! Lol Queria mandar um grande abraço e desejar muita sorte nesta tua aventura! Fazes falta por cá!

Henrique Moniz