sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Do segundo país mais pobre do mundo para o país mais desenvolvido do mundo

Queridos Carolina e Pedro

Em resposta vos informo que acordei hoje às 5h30 da manhã. Sentei-me à porta de casa a prevenir Malária (que é como quem diz - matar mosquitos) enquanto esperava pelo marinheiro da missão, que tinha combinado ir comigo de mota até Tite. Como não aparecia, fui de mota às escuras pelas valas das ruas de terra esburacada de Bolama à sua casa de barro com telhado de palha. Lá o acordei, e fomos até ao porto, outra vez às escuras (sim, não há electricidade em Bolama, e a mota tinha uma lâmpada fraca, que está fundida, pelo que a lanterna presa no pescoço com a minha cabeça de lado fez as vezes). Chegando ao porto, descemos as escadas cheias de algas (maré vazia) com a pesadíssima mota a reboque derrapante, para entrarmos na canoa feita num tronco de embondeiro escavado (e que mete muita água e balança como o pêndulo de um relógio), a fim de atravessarmos o canal de mar para o continente. Chegando ao outro lado, enterrei-me no lodo até aos joelhos para tirar a mota da piroga para depois seguir mato dentro. O sol já nascia, já se via alguma coisa, tudo bem. Vi macacos, esquilos, cobras e perdizes, íamos matando dois cabritos, uma criança ranhosa e três galinhas, e foi tanto tanto mato que acabei com braços e pernas cortados e cheios de coisas peganhentas. Seguimos por essa estrada de terra (outra vez esburacada) até Tite, com muita lama pelo caminho, e em Tite (ou melhor, é depois de Tite, e chama-se Enchudé), esperei outra canoa para me levar a Bissau. No cais, dois macacos mortos esfolados e queimados, a fazer lembrar (a semelhança é assustadora) dois cadáveres de pigmeus, muito peixe ao sol, muita mosca, muita gente (que chegava nas caixas de uns camiões podres e fumarentos), e duas canoas podres com água dentro. A maré estava enchendo com alguma força, pelo que a vaga contra o Geba (o rio) estava forte. O motor da minha superpovoada canoa avariou à partida, pelo que seguimos até Bissau no ralenti. Três horinhas nas águas lodosas e revoltas do Geba, sem ninguém que soubesse nadar a bordo senão eu, sem nenhum colete salva-vidas a bordo, sem outro motor. Levar as mãos à boca sem lavar, especialmente durante uma epidemia de cólera com quase 15000 infectados sintomáticos, tem alguma coisa que se lhe diga, pelo que comer e partilhar as poucas bolachas que tinha trazido para "os imprevistos" (que são previsivelmente regulares, mas não no conteúdo) foi tarefa microbiologicamente difícil. Saído do cais improvisado de canoas em Bissau, segui em fila africana pelas pedras plantadas no meio do grande charco em que se transformou a rua que conduz ao cais, escorregando nos meus chinelos de 500 francos cfa (mais ou menos 80 cêntimos de euro) e aterrando na lama duas vezes, para gáudio dos presentes ("djubi brancu!"-"vê o branco!"). Chegado finalmente ao hotel, confirmei que "ah e tal, a gente disse que havia vaga porque uns fulanos iam sair, mas não sairam - a tua reserva fica para outra altura" (para outra altura?). Lá me instalaram noutro hotel - está difícil encontrar quarto em Bissau, já que a Cólera e as eleições (ou a letal palhaçada a que chamam isso aqui) trouxeram muitos engravatados de calças com bolsos e chapéu de Mick Dundee. Fiquei num quarto que tem um duche (só água fria, e - mais uma vez - com Vibrio cholerae) ao lado da cama, mas a sanita é comum a mais 5 quartos. Tudo bem, eu preciso mesmo é de ficar apresentável para a reunião de urgência de amanhã com o Ministro da Saúde, até porque sei bem o que quero dele, não sei é o que ele quer de mim e porque me chamou. Não há-de ser nada, porque nunca o é na Guiné. Finalmente consegui tomar um banho (de boca fechada, convenhamos), e saí do hotel debaixo de uma chuva copiosa e quente para comer uma saborosa pizza (não há restaurantes em Bolama, e um queijo flamengo de borracha ranhosa na Guiné é difícil encontrar e custa 10.000 francos, o que é um ordenado habitual na Guiné, para os que o têm - cerca de 15 euros) num restaurante senegalês - com os pés outra vez cheios de lama -, e vim sentar-me neste cybercafé onde de cada hora de internet se gastam 20minutos para abrir uma página, a ver se conseguia corresponder-me com a AMI-Portugal e, enfim, ter notícias dos meus amigos, o melhor de todas as vindas a Bissau. Enfim, penso que hoje será um dia melhor do que o normal, já que, EM PRINCÍPIO, não me irão acordar à cama do hotel para uma consulta ou para evacuar uma parturiente encravada numa Tabanka qualquer, em Bissau consigo circular pela rua QUASE sem ter gente a pedir-me coisas ou a gritar "BRANCO!", e talvez consiga deitar-me cedo e engordar um quilo ou dois dos 15 entretanto perdidos. Ora bem, tudo isto para dizer que não estou tão longe do Canadá, também estamos no hemisfério norte, e a comprová-lo está o frio que se faz sentir (segundo os locais), já que a temperatura a esta hora ronda os 28 graus. Para além disso, acho que a Guiné tem mais uma vantagem em relação ao Canadá: parece não haver ursos por cá, e a haver, é só um e dorme na minha cama.
Espero que esta carta vos encontre bem e que rapidamente nos possamos reencontrar.
Abraços, beijinhos e saudades muitas, sempre vosso

L.

1 comentário:

Rak disse...

Olá Luis!

Este fds houve mais uma festa na famosa casa de Mira de aire e tu não tavas lá como era suposto. Estranhei a tua ausência pois apesar de não estarmos juntos mtas vezes gosto sp de saber de ti. E como normalmente aproveitamos para por a conversa em dia nestas ocasiões senti a tua falta e da tua voz tb.Adiante.

Fiquei a saber do teu blog e hoje resolvi vir espreitar a tua aventura, e q aventura.
Adorei ler e saber que estás a viver uma experiência única, solidaria e corajosa.
Pareces me bem apesar de magrito,lolol(comentário à mãe).
Vou passar a seguir-te por aqui e sp q precisares de alguma coisa o meu mail é amadorak@gmail.com

Desejo te as maiores felicidades do mundo.

bjokas grds

Raquel Amado