domingo, 9 de novembro de 2008

O Progresso

Estamos escrevendo um manual de texto para os Agentes de Saúde de Base (ASB) que connosco trabalham, que possa servir de referência às formações que mais ou menos mensalmente realizamos nas diferentes Unidades de Saúde e, mais do que isso, à prática que se pretende minimamente clínica dos Agentes nas suas próprias consultas. Acabado o primeiro esboço, demo-lo ao Mustafá para ler, já que também é ASB – e que sendo pescador de formação familiar, é dos maiores (e dos poucos) agricultores da ilha, activista comunitário com contornos de técnico de farmácia na AMI, Presidente da recém-formada Associação de ASB e Matronas da Região Sanitária de Bolama, e discute Cloroquina e doses pediátricas de fármacos como alguns colegas meus não o fazem. Este senhor fala fluentemente e com o dom da palavra quatro línguas distintas: Mandinga, Biafada, Crioulo e, com alguns superficiais erros, Português. Apesar disso, ainda algumas coisas no Português lhe escapam. A páginas tantas do primeiro esboço do dito manual, podia-se ler:

A abstinência, a fidelidade e o correcto uso do preservativo em todas as relações sexuais (incluindo sexo oral e sexo anal) previnem a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis.

- Nesta página há algumas coisas que não percebo. Deixa ver... A abstinência: o que é a abstinência?
- Bom, abstinência é a ausência de relações sexuais.
- Ausência de relações sexuais?
- Sim, se uma pessoa não tiver sexo, não apanha as doenças que se transmitem pelo sexo.
- Não ter sexo? – a mão cortou o ar num movimento rápido e paralelo ao tampo da mesa – Isso não é possível. Deixa ver mais.

A aproximação do meio da frase fez Sofia e Sara saírem da sala com um cúmplice e contido sorriso estampado sobre a minha próxima explicação.

- Fidelidade sim, preservativo sim... e sexo oral e anal? Sexo eu sei. E estas outras palavras? Querem dizer o quê?
O desconforto não dista muito daquele que se tem quando na televisão aparece uma cena mais picante e estamos na presença de pouca gente com quem se faz alguma cerimónia. E desta vez fui obrigado a comentar, pois fui.

- Bem – riu desenfreadamente o Mustafá – estou percebendo o que isso quer dizer, só não sei se é possível... Eu não sei o que é que vocês brancos andam a fazer, mas aqui na Guiné nós só conhecemos uma forma. Mas, quer dizer, pode ser que chegue à Guiné – talvez daqui a um ano! Eu lembro-me de há muitos anos ter aparecido aqui um homem que dizia que os brancos iam trazer aparelhos que dariam para ver qualquer coisa que alguém estivesse a fazer ao mesmo tempo num sítio muito longe: falaram mal desse homem, disseram que era trapaceiro e que aquilo seria impossível. Hoje em dia, toda a gente vai ver os jogos de futebol da Europa, ninguém acha que não seja possível. Por isso, com estas coisas da televisão, da rádio, quem sabe daqui a um ano?

Bem tinha dito a Sara: “apesar de ser importante, não sei se é bom pôr isto, ainda lhes vamos dar ideias...”. Mesmo que só as ponham em prática daqui a um ano.


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